Você sabe qual a sensação de andar com uma melancia
pendurada no pescoço? Eu sei! Não que eu tenha experimentado passear por aí com
o segundo maior fruto que eu conheço, mas andei com meu cabelo azul e é tudo a
mesma coisa, ao menos no quesito chamar a atenção em público.
Antes de falar dessa sensação eu vou fazer um prefácio da
minha história com cabelos coloridos. Perguntam-me milhões de vezes por que eu
tinjo meu cabelo com cores incomuns, não tenho uma resposta, sei que não é por
questão de estilo, pertencimento de algum grupo ou porque vi em algum lugar e
achei bacana, eu apenas gosto desde sempre, just it.
Ainda muito novo eu já tinha essa vontade e só fui
concretizá-la pela primeira vez aos 16 anos. Assistindo ao filme Brilho Eterno
de Uma Mente Sem Lembranças, meu filme predileto ever, descobri que era possível ter cabelos da cor
que eu bem entendesse. Clementine, a protagonista do filme, tinha cabelos
coloridos, ela aparece com os fios laranjas, vermelhos, azuis e verdes, agindo
sempre com naturalidade. Não usava roupas excêntricas, não se jogava em
inferninhos, não tinha tatuagens mil, era apenas uma pessoa sensível e com um
olhar mais poético. O cabelo colorido era apenas um detalhe e também uma
maneira de se expressar de acordo com seu momento de vida da personagem.
Voltando ao meu prefácio pessoal, ao ver o cabelo da Clem eu
percebi que era possível para mim também e decidi pintar o meu. Não fiz no dia
seguinte, como eu gostaria, porque na época eu estudava em uma escola
extremamente rígida e conservadora que proibia os alunos de terem brinco,
piercing, usar roupas “inadequadas” e até mesmo alguns tênis eram censurados.
Não preciso nem dizer que eu era o terror daquela escola quebrando regras quase
que diariamente... Esperei até o último dia de aula e fui direto para a casa da
minha amiga Bruna Ficklscherer, que na época era uma menina emo, ouvia rocks
depressivos, usava maquiagem pesada, andava com ursinhos de pelúcia e tinha a
franja cor de rosa. Ela sabia dos paranauês de descolorir e pintar. Comprei pó
descolorante na farmácia (mal sabia eu que esses são para descolorir pelos e
não cabelo) e uma tinta nacional com um único tom de azul. Meu cabelo ficou
lindo e nunca estive tão realizado com a minha aparência. Choquei minha família
e me fizeram prometer nunca mais pintar... Tão logo a tinta azul saiu, já
emendei com um laranja, depois roxo, laranja de novo, roxo de novo e verde
limão fluorescente que brilhava no escuro, este último era uma tinta importada
e realmente muito boa. Recentemente a vontade de tingir o cabelo voltou, em
dezembro pintei meu cabelo de branco, este ano de laranja e voltei para o azul
claro porque o primeiro azul foi tão rápido que sentia que algo não tinha sido
vivido até o fim, foi um azul interrompido.
Sabendo um pouquinho da minha história colorida capilar eu
posso voltar ao ponto inicial. Como é andar na rua com cabelo azul. Então, é
terrível! Como vocês puderam notar acima, em nenhum momento eu digo que pintei
meu cabelo para me mostrar ou ser visto. Eu sou tímido, talvez não demonstre,
mas sou tímido e envergonhado. Sempre que mudo de cor de cabelo e preciso
encarar a sociedade é um sacrilégio gigantesco para mim. Na maioria das vezes
recruto alguém para me acompanhar e andar de mãos dadas comigo, normalmente
aperto a mão o máximo de tão tenso que fico.
Pintei meu cabelo sábado à noite, o serviço terminou após
uma da manhã. Peguei um táxi e fui direto para uma balada bem descolada, ainda
assim minha cabeça virou um imã de olhares. No dia seguinte uma pessoa X
comentou no meu Instagram “Eu te vi ontem na balada, só dava você e seu cabelo
na pista!”. Ter um cabelo azul, verde, roxo ou qualquer cor diferenciada que
seja, não ter permite anonimato ou discrição. Ainda de madrugada eu decidi ir
fazer um lanchinho na Bella Paulista. Eram 4 da madrugada, o lugar borbulhava
de pessoas, havia fila de espera por mesa. Entrei e fui direto ao toalete.
Enquanto atravessei o salão da padaria eu ouvi o zumzumzum das conversas parar
por um segundo e retornar em seguida. Meu cabelo não é merecedor de um minuto
de silêncio, mas foi capaz de silenciar dezenas de pessoas eufóricas por 1
segundo. Desfaleci de vergonha.
É de dia e na rua que as reações das pessoas são mais impressionantes.
Esperando o semáforo abrir uma menininha ao meu lado cutucou a mãe e gritou apontando
para mim “Mãe, mãe, existe gente de cabelo azul!”. Como nossa distância era de
menos de um metro quem desfaleceu de vergonha desta vez foi a mãe. Andei por
metade da Paulista e o imã em cima da minha cabeça não cansava de roubar
olhares e para meu desespero eu não estava usando óculos escuros.
Notei uma grande evolução da humanidade entre o cabelo verde
e o atual azul. Quando eu tinha cabelo verde limão fluorescente que brilhava no
escuro era normal ouvir desconhecidos me chamando de qualquer coisa verde, de
papagaio e até impropérios. Já estou azul há 5 dias e até agora nenhuma reação
falada. Talvez imaginem que fiz pelo clima de Copa do Mundo e é socialmente
aceitável algumas extravagâncias verde, amarelo e azul neste momento. Hoje
mesmo vi um carro cujas rodas foram pintadas de verde e amarelo.
O pior de tudo não são os olhares, pois são realmente ossos
do ofício e não repreendo ninguém, o pior são os conhecidos que sempre fazem
questão de falar “Nossa, você está parecendo isso. Você está parecendo aquilo!”.
Sinceramente não estou parecendo porra nenhuma de Smurf, de Blue Man Group, com
o Pokémon tal ou o Bigode do Cotonetes. Qual a necessidade de me comparar com
algo? Como normalmente são amigos ou conhecidos que falam isso eu apenas
sorrio, mas um sorriso nada amigável, para a pessoa se tocar que não está sendo
gentil comigo. Então regra número 1 de convivência com alguém de cabelo
colorido, não se esforce a compará-los com alguma coisa, não será engraçado,
será patético. Por ventura se a pessoa realmente estiver parecendo alguém por
conta do cabelo, não se reprima, pode falar, mas vou logo adiantando,
dificilmente alguém de cabelo verde estará igual a um papagaio, ok?!
E como eu me sinto de cabelo azul? Lindo, feliz, fascinante,
radiante, esplêndido, gorgeous! De vez em quando eu até esqueço a cor do meu
cabelo, quando passo na frente do espelho e vejo aquele azulão acima das minhas
sobrancelhas eu sorrio para mim mesmo feliz com o resultado. Não existe nada
mais gratificante que estar bem consigo mesmo.
E ainda me sinto responsável por combater o tédio, o vazio,
o medo e a falta de imaginação das pessoas. Pode parecer responsabilidade
demais para um mísero cabelo, mas falo de atitude e cor na vida das pessoas.