Enquanto eu chorava cortando cebolas para o almoço de
domingo, minha tia septuagenária e carola de carteirinha, contava-me como a
missa naquela manhã foi bonita. Eram lágrimas e silêncio da minha parte,
entusiasmo e brilho nos olhos da parte dela. Em algum momento daquele relato clérigo
ela me diz “Por isso que você tem que ser uma pessoa boa. Deus ajuda quem é
bom!”.
Sem deixar de cortar e olhar minhas cebolas eu disse com a
maior naturalidade do mundo que Deus não existia. Ela deu um grito assustado e
fez uma cara de total reprovação. Se eu tivesse dado um tapa em suas fuças ou
cuspido em sua cara certamente ela não teria ficado tão horrorizada quanto com
o que acabara de ouvir. Imediatamente ela protestou e disse que Deus existia
sim e aquilo que eu estava falando era um pecado gravíssimo! Parei de cortar a
cebola, olhei para a cara dela com um pouco de desdém e disse pausadamente “De-us
não e-xis-te!”.
Foi um auê. Heresia para minha tia é considerado o pior
defeito que um ser humano pode ter. Ela foi provar para mim que Deus existia.
Disse que quando minha avó estava próxima do falecimento ela viu Deus no
hospital. Eu respondi: “Ela estava doente fazia meses, sob efeito de remédios
fortes, ela não viu Deus, foi apenas uma alucinação. Igual a Xuxa, ela viu
duendes, mas ela estava muito louca! Igual um amigo meu que quando toma uns
chás mineiros ele jura que está tocando violão com John Lennon, mas o Lennon
não existe mais!”. Minha tia afrontadíssima não se deu por convencionada e
disse que iria me contar uma história que comprovaria que Deus existe.
Eis a história: Deus de vez em quando sai pela rua para
testar as pessoas. Uma vez, há muito tempo, quando era velhinho, ele estava
vestido de mendigo e parou em uma casa para pedir comida. A senhora que morava
lá tinha acabado de matar uma galinha, quando viu alguém se aproximando colocou
uma bacia por cima e atendeu a porta. Deus então perguntou se ela não tinha uma
galinha para dar de comer, ela prontamente disse que não, só tinha uma galanga.
Deus então disse: “Então galanga será!” Nesse momento a galinha se transformou
em uma galanga e começou a andar.
Nesse momento eu já tinha parado de cortar o tomate e
perguntei que raio de coisa é essa galanga. Ela disse que é galanga é galanga,
oras bolas. Insisti mais um pouco e recebi a resposta “galanga é tipo uma
tartaruga”. Nesse momento o mundo se descortinou diante de mim, agora tudo fazia
sentido. A galinha estava escondida embaixo de uma bacia, Deus viu a cena e a
mulher mesquinha disse que não, aquilo era uma galanga/tartaruga/jabuti, então
ele fez a “vontade” da mulher e transformou a galinha em um quelônio! A mulher
ficou sem o alimento e aprendeu a não ser mesquinha e a minha tia ganhou uma
história para provar as pessoas que Deus existe!
Depois de um surto de gargalhada, no qual minha tia não achou
muita graça, eu admiti que fatos são fatos e voltei a acreditar em Deus.
Antes eu confidenciei que quem me convenceu que Deus não existe foi meu irmão,
que estava na sala, e se eu fosse ela iria contar a história da galanga para
ele. E lá foi a tia Cidinha inspecionar se meu irmão acreditava ou não em
Deus...
Para adicionar, segundo o dicionário, galanga é uma erva
chinesa. Como essa história provavelmente veio da Itália, é possível que houve
algum erro de tradução para o português ou é algum neologismo do parte da minha
tia ou de quem contou para ela.
Por ora, eu acredito em Deus, não sou cristão e na
sexta-feira da Paixão irei comer peixe, afinal de contas, cresci em uma família
católica e essa minha tia me levava à missa.
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