quarta-feira, 9 de abril de 2014

Meu dia normal

Às 7 da manhã toca o despertador do meu iPhone, eu levanto da cama e caminho até a escrivaninha para desligá-lo. Dirijo-me ao banheiro relembrando todos meus compromissos do dia e decido cancelá-los um a um sem diferenciação. Estou tão cansado que quero apenas chegar o mais rápido possível de novo em casa e dormir. Faço xixi, lavo o rosto e volto à escrivaninha do meu quarto para verificar as mensagens recebidas na tela inicial do celular. Caso tenha recebido de quem eu amo eu respondo de imediato, se recebi de pessoas X amaldiçoou mentalmente. Desço as escadas com cautela para literalmente não cair de sono, vou para a cozinha, abro em silêncio a porta para o Malmö entrar pulando de alegria, preparo meu café da manhã, se o dia está quente esquento o leite com Ovomaltine, se o dia está frio, tomo leite gelado com Ovomaltine. Coloco água no copo e deixo na pia. Volto para meu quarto, remarco em pensamento todos os meus compromissos recém-cancelados, pego qualquer roupa no guarda-roupa, ainda com sono não consigo calcular qual seria a melhor combinação, preparo minha mochila, se é dia de academia escolho o mochilão, coloco tênis, meias sports, short e camiseta dry-fit. Visto minha roupa do dia, escolho o perfume do dia, escovo os dentes, se estou com saco eu penteio o cabelo, coloco os sapatos, procuro minhas chaves, coloco ração e água para o Malmö e saio. Ainda na rua de casa lembro que esqueci o guarda-chuva ou não peguei blusa de frio, torço que não chova ou esfrie; olho para os pés para me certificar que estou usando sapatos do mesmo par. Pego um ônibus em direção ao metrô, desço no metrô, a estação está lotada, espero alguns trens e em nenhum é possível viajar com dignidade, entro no último vagão de algum trem que eu caibo, abro o Twitter, leio as pessoas reclamando de acordar e manchetes do Estadão e do BlueBus, coloco o celular no bolso, abaixo a cabeça, fecho os olhos e fico repetindo mentalmente que não estou ali ou perguntando se eu não deveria mesmo não estar ali. Desço na estação Anhangabaú, sinto o frescor do oxigênio e não do gás carbônico alheio bater no meu rosto, tenho minha primeira felicidade do dia, vou até o terminal Bandeira, escolho o ônibus mais vazio que passa pela Av. Cidade Jardim, sento no banco alto, abro novamente o Twitter, posto algo que pensei no trajeto até lá, tentando não ser mal humorado porque quero fazer do mundo um lugar melhor, mando mensagem para a Tábata, Milena ou Murilão, abro um livro e começo a ler ou então aproveito a viagem para tuitar mais um pouco ou olhar os prédios e a interessante Avenida 9 de julho. Desço na mesma avenida depois do ponto da Rua Turquia, procuro meu crachá, chego à empresa, torço apenas que eu tenha chegado antes da minha chefe - faz parte da minha pessoa chegar ao escritório antes do chefe, não importa se estou adiantado ou atrasado, não importa quem seja meu chefe -, sou uma das primeiras pessoas a chegar de todo escritório, dou bom dia para a Maria – minha primeira frase do dia -, bato o ponto às 9 horas e penso "até daqui 10 horas", deixo a mochila na minha mesa, vou ao toalete, lavo as mãos com bastante sabonete, volto para a mesa, abro meu notebook, olho os remetentes dos e-mails e começo a trabalhar. 10h30 como algo meu ou peço para a Tabata, meio-dia vou almoçar sozinho porque gosto de almoçar sozinho, é meu momento, tipo tomar banho, mas sem dor na consciência porque estou jogando água pelo ralo. Ponho no prato cenoura ralada, beterraba, um negocinho que parece raiz e tem em salada japonesa, arroz integral, feijão e frango grelhado. Não aceito bebida porque engorda, mas pego gelatina porque deixa a bunda dura. Volto para o escritório e pelos 15 próximos minutos eu não trabalho, apenas quero ler fofoca de subcelebridade e notícias de Política ou Economia Internacional. Escovo os dentes e encaro a segunda parte da jornada de trabalho. 16h30 tenho fome de novo, como algo meu, peço para a Tabata ou desço na lojinha e compro algum alimético sem adição de açúcar. Olho o Twitter, compartilho algum link e tento descobrir qual é o assunto do dia. Passam-se as 10 horas, bato o ponto e vou para a academia como quem vai para a forca, caminho vagarosamente pelas ruas escuras do Itaim, sem pressa de chegar ao meu destino, olho para Le Vin Bistro e estou certo que um dia preciso jantar lá, talvez no meu próximo date, chego na academia, vou para o vestiário, escolho um armário grande, desço para a esteira, corro 36 minutos alternando a velocidade, 2 minutos velocidade 13, 2 minutos velocidade 5,5, assim por 18 vezes. Desço para a musculação e me pergunto se realmente preciso daquilo e se meu corpo não é suficientemente atraente, já que não faço musculação por saúde, mas apenas por autoestima e para continuar obtendo razoável sucesso na aprovação alheia. Termino meus exercícios, encho minha shakeira de água e chacoalho com o whey protein, atravesso a rua, pego um ônibus para Pinheiros, bebo aquela bebida horrível, entro no metrô Faria Lima, penso na minha vida, me pergunto se sou feliz, se estou fazendo a coisa certa, se deveria ousar mais, se não deveria viajar, morar fora por um tempo, concluo que a vida é curta demais para viver em São Paulo. Concluo, também, que eu era mais feliz quando namorava e como meu último relacionamento foi o melhor de todos os relacionamentos e só me vejo construindo uma família ou tendo uma vida a dois com essa mesma pessoa protagonista na minha existência. Repenso e decido abortar a ideia de tentar dar um novo início ao meu fim, há histórias que se convergem para lados distintos, estou quase chegando em casa, procuro a chave de casa, que sempre está no fundo da mochila, meu cachorro escuta eu tocar no portão e late desesperadamente de alegria, enquanto abro a porta do corredor ele late, chora, pula e gira do outro lado com a maior alegria do universo, ao contrário de manhã eu interajo com ele, chamando “Cadê o meu neneeeeeeeê? Maaaaaalmö? Ô Maaaaaaaalmö!”, abro a porta, ele pula em mim, chora, lambe minha mão, entra comigo em casa. Ponho a mochila no sofá, dou mais água e comida para ele, lavo minha mão com sabonete antibacteriano (não pela lambida, mas pelos balaústres), subo para meu quarto, fico apenas de Crocs laranja e short, preparo meu jantar e brinco com o Malmö, janto, levo meu cachorro para passear no quarteirão de casa, volto e tomo banho. Escolho se vou lavar meu rosto com espuma de limpeza ou sabonete em barra para pele oleosa, escolho quais dos shampoos usarei naquela noite, lembro que preciso lavar a pia porque tem pasta de dente seca no mármore, escovo meus dentes, fecho a casa e fico no meu quarto. Abro Instagram distribuo meus likes, abro Facebook, mando mensagens, agendo para despertar às 7hrs. Já são meia-noite, preciso dormir 7 horas para estar pronto para o dia seguinte. Rezo por mim, pela minha avó falecida, por quem eu quiser e no fim digo Amém, lembro que não cristão, apesar de ter criação católica, peço desculpas pela gafe e termino sem Amém. Decido com qual travesseiro vou dormir e com qual vou ficar abraçado e em minutos ou segundos já estou sonhando com alguma bizarrice até às 7 da manhã do mesmo dia. 

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