sábado, 26 de abril de 2008

Transporte de alimentos é vilão invisível da emissão de gases do aquecimento global

Elisabeth Rosenthal*
The New York Times

Bacalhau da Noruega é enviado para a China para ser transformado em filés, então enviado de volta para a Noruega para ser vendido. Limões argentinos enchem as prateleiras dos supermercados espanhóis, enquanto a produção local apodrece no solo. Metade das ervilhas consumidas na Europa é cultivada e embalada no Quênia.

Nos Estados Unidos, a FreshDirect proclama que a estação de kiwi se expandiu para "O ano todo!", agora que a Itália se tornou a maior fornecedora mundial da fruta nacional da Nova Zelândia, assumindo o fornecimento durante o inverno no Hemisfério Sul.

Os alimentos se deslocam pelo mundo desde que os europeus compraram chá da China, mas nunca na velocidade ou quantidades vistas nos últimos anos. Consumidores não apenas nos países mais ricos, mas cada vez mais nos países em desenvolvimento, esperam pelos alimentos sempre que os desejam, sem fazer concessões às estações ou geografia.

Redes de transporte globais cada vez mais eficientes tornam prático levar comida antes que estrague para locais distantes onde os custos de mão-de-obra são mais baixos. E o ingresso dos megamercados em países da China ao México, com fornecedores e cadeias de distribuição que cercam o mundo -como Wal-Mart, Carrefour e Tesco- aceleraram a tendência.

Mas o banquete móvel tem um preço: a poluição -especialmente o dióxido de carbono, o principal gás do aquecimento global- causada pelo transporte dos alimentos.

Segundo antigos acordos comerciais, o combustível para carga internacional transportada por mar ou ar não é taxado. Agora, muitos economistas, ambientalistas e políticos dizem que é hora de fazer com que as transportadoras e consumidores paguem pela poluição, por meio de impostos e outras medidas.

"Nós estamos deslocando bens ao redor do mundo de uma forma que parece realmente bizarra", disse Paul Watkiss, um economista da Universidade de Oxford que escreveu um recente relatório para a União Européia sobre alimentos importados.

Ele notou que o Reino Unido, por exemplo, importa -e exporta- 15 mil toneladas de waffles por ano, assim como compra e vende 20 toneladas de água engarrafada com a Austrália. Mais importante, disse Watkiss, "nós não estamos pagando o custo ambiental de toda esta viagem".

A Europa está prestes a mudar isso. Neste ano, a Comissão Européia em Bruxelas, Bélgica, anunciou que todos os vôos de carga que entram e saem da União Européia estariam incluídos no programa de comércio de emissões do bloco até 2012, o que significa que licenças terão que ser compradas para a poluição que geram.

A comissão está negociando com a organização global de transporte, a Organização Marítima Internacional, várias alternativas para redução dos gases do efeito estufa. Se não houver uma solução até o final do ano, o transporte marítimo também será incluído no programa de comércio de emissões da Europa, disse Barbara Helferrich, uma porta-voz da Diretoria de Meio Ambiente da Comissão Européia.

"Nós realmente estamos prontos para fazer com que todos reduzam -ou paguem de alguma forma", ela disse.

A União Européia, a maior importadora de alimentos do mundo, aumentou suas importações em 20% nos últimos cinco anos. O valor dos hortifrutis frescos importados pelos Estados Unidos, em segundo lugar, quase dobrou de 2000 a 2006.

Segundo um pouco conhecido tratado internacional chamado de Convenção Internacional de Aviação Civil, assinado em Chicago em 1944 para ajudar o nascente setor aéreo, o combustível para viagem e transporte internacional de bens, incluindo alimentos, está isento de taxas, diferente de caminhões, carros e ônibus. Também não há imposto sobre o combustível usado pelos navios de transporte.

Os defensores dizem que o fim destas isenções poderá ajudar a assegurar que produtores e consumidores paguem pelo custo ambiental do transporte de alimentos.

Os setores alimentício e de transporte dizem que a questão é mais complicada. O debate colocou algumas empresas na defensiva, incluindo a Tesco, a maior rede de supermercados do Reino Unido, conhecida como promotora de iniciativas verdes.

Algumas destas empresas dizem estar trabalhando para limitar os gases do efeito estufa produzidos por seus negócios, mas que a questão é como fazê-lo. Elas são contrárias a uma regulação e novos impostos e, em parte em um esforço para rechaçá-los, estão defendendo uma maior educação aos consumidores.

A Tesco, por exemplo, está introduzindo um sistema de rotulagem que permitirá aos consumidores avaliar o rastro de carbono de um produto.

Alguns alimentos que viajam longas distâncias podem na verdade apresentar uma vantagem ambiental em relação aos produtos locais, como flores cultivadas nos trópicos em vez de estufas européias que consomem muita energia.

"Isto pode ser tão radical para o consumo ambiental quanto apresentar o número de calorias nas embalagens para ajudar as pessoas que desejam perder peso", disse um porta-voz da Tesco, Trevor Datson.

Melhores redes de transporte reduziram acentuadamente o tempo necessário para envio de alimentos ao exterior. Por exemplo, melhores estradas na África ajudaram a reduzir o tempo que leva para os produtos viajarem das fazendas naquele continente para as lojas na Europa para quatro dias, em vez de 10 dias há não muitos anos.

E com os custos de mão-de-obra mais baixos nos países africanos, o Marrocos e o Egito tomaram o lugar da Espanha em apenas poucas estações como importantes fornecedores de tomates e verduras para a região central da Europa.

"Se há uma oportunidade de produção mais barata em termos de logística ou fornecimento, ela será adotada", disse Ed Moorehouse, um consultor de uma indústria de alimentos em Londres, acrescentando que algumas destas transferências também criam empregos valiosos nos países em desenvolvimento.

O lado econômico é atrativo. Por exemplo, o bacalhau norueguês custa US$ 1,36 por libra para ser processado na Europa, mas apenas 23 centavos de dólar por libra para ser processado na Ásia.

A capacidade de transportar alimento de forma barata deu origem a novos e prósperos negócios.

"Nos últimos anos surgiram novas plantações por toda a região central da Itália", disse Antonio Baglioni, gerente de exportação da Apofruit, uma das maiores exportadoras de kiwi da Itália.

Os kiwis da Sanifrutta, outra exportadora italiana, viajam por mar em contêineres refrigerados: 18 dias até os Estados Unidos, 28 dias até a África do Sul e mais de um mês para chegar à Nova Zelândia.

Alguns estudos calcularam que apenas 3% das emissões do setor alimentício são causadas pelo transporte. Mas Watkiss, o economista de Oxford, disse que o percentual está crescendo rapidamente. Além disso, os alimentos importados geram mais emissões do que é geralmente reconhecido, porque exigem camadas de embalamento e, no caso dos alimentos perecíveis, de refrigeração.

O Reino Unido, com sua curta estação de cultivo e poderosas redes de supermercados, importa 95% de suas frutas e mais da metade de suas verduras e legumes. Os alimentos representam 25% dos transportes por caminhão no Reino Unido, segundo a agência ambiental britânica, Defra.

Datson, da Tesco, reconheceu que há conseqüências ambientais nas maiores distâncias percorridas pelos alimentos, mas ele disse que sua empresa apenas responde aos apetites dos consumidores.

"A oferta e variedade está crescendo porque nossos clientes querem coisas como ervilhas-tortas o ano todo", disse Datson. "Nós não vemos nosso trabalho como ditar as opções do consumidor."

Redes globais de supermercados como Tesco e Carrefour, espalhadas por todo o Leste Europeu e Ásia, atendem a um mercado de alimentos de conveniência, como alface lavada e legumes cortados. Elas também ajudam a expandir o alcance das marcas globais.

As batatas Pringles, por exemplo, atualmente são vendidas em mais de 180 países, apesar de serem fabricadas apenas em alguns poucos lugares, disse Kay Puryear, uma porta-voz da Procter & Gamble, que fabrica a Pringles.

Os defensores da taxação do combustível para transporte dizem que isso acabaria com essas distorções ao mudar o cálculo econômico.

"O alimento está viajando porque o transporte se tornou muito barato em um mundo globalizado", disse Frederic Hague, chefe do grupo ambiental norueguês Bellona. "Se fosse apenas uma questão de processamento mais barato do peixe na China, eu não me importaria com sua viagem até lá. O problema é a poluição."

A União Européia lidera o mundo em propostas para incorporar os custos ambientais no preço que os consumidores pagam pelo alimento no mercado.

A Suíça, que não pertence à União Européia, já taxa os caminhões que cruzam suas fronteiras.

Além de colocar as companhias aéreas em seu programa de comércio de emissões, Bruxelas também está considerando uma taxa sobre a carga especificamente associada ao custo ambiental do transporte do alimento, para mudar o atual cálculo de que "o transporte é mais barato do que produzir os bens localmente", disse a comissão.

O problema é medir as emissões. O fato do alimento viajar uma maior distância não necessariamente significa que mais energia está sendo usada. Alguns estudos mostraram que a importação de maçãs frescas, cebolas e carne de cabrito da Nova Zelândia pode resultar em menos emissões do que produzir os bens na Europa, onde -por exemplo, o armazenamento de maçã por meses exigiria refrigeração.

Mas estes estudos foram realizados na Nova Zelândia, e o debate da viagem dos alimentos é inevitavelmente misturado com interesses econômicos.

No mês passado, Tony Burke, o ministro australiano da agricultura e pesca, disse que o rastro de carbono e a rotulagem dos alimentos em milhas -a distância percorrida pelo alimento- "é apenas uma forma de protecionismo".

As transportadoras combatem vigorosamente a idéia da imposição de uma taxa sobre o combustível para transporte, notando que se alguns países derrubarem os artigos da Convenção de Chicago, isto causaria um caos no comércio global, criando uma colcha de retalhos desigual de taxas sobre combustíveis.

Também daria aos países que mantivessem a isenção uma imensa vantagem comercial.

Alguns varejistas europeus esperam que medidas voluntárias como os rótulos da Tesco -que começarão no final deste ano- reduzirão a pressão por novas taxas e regulações.

A empresa começará a testar o sistema de rotulagem, começando com produtos como suco de laranja e sabão em pó.

Os clientes poderão ficar surpresos com o que descobrirem.

A Box Fresh Organics, a popular marca britânica, anuncia que 85% de seus produtos vêm do Reino Unido. Mas no inverno, em sua cesta padrão, apenas as batatas e cenouras são cultivadas no Reino Unido. As uvas são da África do Sul, a erva-doce é da Espanha e a abóbora é da Itália.

Os varejistas atuais não sobreviveriam se deixassem de oferecer essa variedade, disse Moorehouse, o consultor de alimentos britânico.

"Infelizmente", ele disse, "nós educamos nossos clientes a esperarem alimentos baratos, de que podem ir ao mercado para comprarem o que quiserem, sempre que quiserem. O ano todo, 24 horas, os sete dias da semana."




Não é tão simples assim resolver tal problema, como vemos a reportagem foi escrito nos Estados Unidos e praticamente só retrata da Europa, isto é, locais desenvolvidos. Se houver realmente uma taxação, quem sairá perdendo efetivamente serão os países sub-desenvolvidos que tem boa parte da sua economia voltada à agricultura.
Apenas 3% da poluição mundial é fruto do transporte de alimento, com certeza há medidas muito mais eficazes para a diminuição da poluição que não afete a distribuição dos alimentos e nem a economia frágil dos países menos desenvolvidos.
É claro que as pessoas devem rever seus hábitos de consumo, é sempre bom comer a fruta da época, não há necessidade de beber água Perrier e valorizar a produção local.

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