A busca pela elevação
espiritual talvez seja uma das metas mais almejadas pela humanidade. Há pessoas
que já nascem elevadas naturalmente, isto é, a religião já vem de berço de
forma hierárquica e sem questionamentos por parte dela. Se essa regra fosse
aplicada a mim eu seria um católico apostólico romano. Contudo, eu sou um
contestador por natureza. Meus ex-chefes bem sabem dessa minha característica.
Hoje eu não tenho nenhuma
religião, apenas acredito em Deus. Não sei mensurar seu poder e influência,
conquanto, prefiro apenas acreditar. Até chegar nesta conclusão eu já fiz um
pequeno tour espiritual.
Lembro-me que na escola eu
tive uma aula religiosa. Não estudei em colégio católico ou coisa parecida, mas
tive uma aula religiosa em algum momento da minha infância. Óbvio que não colaborei
e sacaneei. A professora pediu para que cada aluno desenhasse como imaginava a
aparência de Deus e depois tínhamos que explicar aos colegas de classe. Foi uma
chuva de Jesus Cristos. A criançada desenhou homens barbados, brancos e magros.
Eu desenhei uma grande mancha roxa escura, mais parecia uma visão de alguém que
usou algum alucinógeno. A professora, por sua vez, devia ser pedagoga e não soube
lidar comigo.
Pouco depois fui
matriculado na catequese. Meus pais são católicos, mas só vão à igreja em
casamento, batizado e missa de falecimento. Como todo bom católico, né? Por um
ano fui obrigado a ir à igreja todo domingo de manhã fazer aula e depois
assistir a “missa dos jovens” que era uma cantoria de mais de duas horas e eu
doido para chegar em casa e assistir o finalzinho da Fórmula 1. Fui coroinha
diversas vezes e nunca aprendi a fazer aquele sinal da cruz mais profissa, que
não é apenas em nome do Pai, do Filho e Espírito Santo. É um estratagema meio
ninja, o padre resmunga um monte de coisas e o pessoal fica se tocando o tronco
inteiro, fazendo uma cruz complexa. Enfim, até hoje não sei fazer esse negócio.
Tenho problemas com coordenação motora.
Depois que, aleluia,
terminei a catequese minha mãe quis me colocar na crisma. Até hoje não sei que
caralho é essa tal de crisma. Nunca topei continuar meus estudos litúrgicos.
Anos depois eu vi o padre da minha igreja no SPTV. Ele foi denunciado por
pedofilia, na casa dele, atrás da igreja, onde era proibido a entrada de
qualquer pessoa, ele mantinha, praticamente em cárcere privado, 3 adolescentes,
duas delas menores de idade, do interior do Paraná. Minha vizinha de parede era
uma beata louca, quando o padre safado foi preso ela fazia bolo para levar na
cadeia. Logo entrou um novo padre e a paróquia voltou ao normal, exceto por um
fato, eu não frequentava mais a igreja.
Como todo ser humano
desesperado, quando precisa de algum milagre, logo recorre a Deus. Eu queria
muito passar no vestibular da Federal de São Paulo e fazer o ensino médio lá.
Minha tia, outra beata, mas que nunca fez bolo para padre pedófilo, levou-me
até a igreja para eu pedir isso a Deus. Não contente, no final da missa, ela me
conduziu até o padre, esse tem a maior cara virgem do mundo, poderia muito bem
ser confundido com um otaku ou jogador de LOL, e pediu para ele abençoar meus
planos escolares. Resumo da ópera, não estudei o suficiente e não passei no
vestibular, que era super disputado. No ano seguinte eu tentei novamente e
passei. Mas, como tenho orgulho, não quis estudar lá, esnobei mesmo.
Passado um tempo eu fui
buscar novos sentidos religiosos. Por algum motivo imaginei que eu poderia me
tornar budista. Eu e uma amiga, a Chuchuzona (cata o apelido da minha amiga!),
fomos ao Templo Zulai. Eu olhava a monja careca e ficava me pergunta “Pra que
isso?”. Na época eu tinha cabelo verde limão florescente que brilhava no
escuro, por isso a observação sobre a careca dela. Não gostei muito não, não
conseguia me concentrar, aquela coisa de homens de um lado e mulheres do outro
não me agradava, a meditação não fluía e no final não podia comer carne. Fui
com a Chuchuzona mais algumas vezes, mas pulei fora. Budismo não era minha
praia, sou hiperativo demais.
Próxima descoberta foi o espiritismo sob a
ótica do Allan Kardec. Sempre tive medo de espíritos, então não fazia sentido
ir atrás justamente deles. Quem me levou foi outra tia minha. Eu achei mesmo o
prédio meio mal assombrado, até hoje quando passo na porta à noite eu olho para
o sótão a procura de alguma luz suspeita. Aquela coisa de tomar passe também é
meio estranho, todo mundo de branco na sala, com os braços estendidos e olhos
fechados. Quer dizer, exceto eu, óbvio que fico bem alerta querendo saber o que
vai acontecer na hora do passe. Para mim é a hora mais apropriada para o
espírito aparecer. Nunca vi um. Outro dia fui à Federação Espírita tomar passe,
minha amiga disse que seria bom, mas antes do passe rolou uma palestra e não é
que uma das mulheres que falou estava incorporada? Não acho que foi teatro, ela
parecia a menina pastora, mas falava com coerência. Como sempre tive medo
dessas coisas não daria certo eu frequentar centros espiritas, né? Quando eu
era menor eu me lembro de ter assistido na Sônia Abraão uma sensitiva que
explicou que os espíritos ficam alojados nos batentes das portas, por isso,
nunca fiquem parados embaixo de qualquer porta. Ela também ensinou que alguns
espíritos querem roubar nossa energia, para evitar isso basta tampar o umbigo
com fita isolante ou com o dedo mesmo. Quando eu sinto uma energia estranha a
primeira que faço é colocar o dedão em cima do umbigo. Aprendizados da vida!
Eu sei que esoterismo não é exatamente uma
religião, mas vou contar uma experiência. Eu já fui a uma feira esotérica que
aconteceu há muitos anos em algum shopping de São Paulo, lá escolhi passar com
uma esotérica que lia o futuro por meio dos búzios. Falou tanta asneira, não
botei fé nela. Mas, disse algo importante, guarde essa informação para mais
adiante; eu perguntei se algum dia eu seria rico e ela disse NÃO. Anos mais
tarde eu passei com um amigo que lia tarot, ele disse coisas bem legais para
mim e eu novamente perguntei se eu seria rico algum dia. Outro NÃO. Em breve
retomo o assunto da riqueza.
Eu comecei a fazer uma faculdade, durei
apenas algumas semanas e desisti. Eu fui idiota, sempre quis ser jornalista,
mas por algum motivo aos 18 anos eu tive a brilhante ideia de prestar
HOTelaria. Merda feita e logo desfeita, ainda naquele ano havia a opção de
vestibular no segundo semestre. A única faculdade de jornalismo com inscrições
abertas para o segundo semestre e que eu consideraria estudar era o Mackenzie.
Mas, eu também gostava de Economia, por isso me inscrevi para o IBMEC. Como era
fato que eu passaria nos dois vestibulares, eu preferi anteceder minha escolha
antes mesmo do vestibular. Uma amiga me sugeriu apelar às cartas. Por algum
motivo eu achei uma ideia interessante. Ela comentou que uma amiga dela estava
lendo cartas e cobraria pouquinho de mim. A amiga dela em questão tinha 16
anos, havia comprado as cartas do tarot e um livro explicativo há menos de um
mês e me cobraria apenas 15 reais. Durante a consulta no quarto dela eu todo
aflito perguntei qual faculdade deveria cursar, ela então tirou as cartas e
disse “Faça Jornalismo, você terá muito sucesso e será muito feliz! Se você
fizer Economia será infeliz!”. Também perguntei se um dia serei rico com o
Jornalismo e a resposta foi NÃO.
No dia seguinte eu tinha o vestibular do
IBMEC. Uma cartomante adolescente de 16 anos me convenceu a desistir de
Economia. Dormi mais tarde e perdi o vestibular. Passei no Mackenzie e no final
do primeiro ano de Jornalismo eu tinha certeza absoluta que fiz a escolha
errada, Jornalismo não era minha praia!
Outra religião que sempre me bateu
curiosidade era a umbanda. Eu tinha um amigo que frequentava terreiro, eu
comentei da minha vontade, na verdade não era só vontade, eu tinha uma
necessidade. Eu achava que haviam feito uma macumba contra mim. Meu amigo foi
super solícito e me convidou para conhecer o terreiro dele e iria me apresentar
ao Pai de Santo que poderia descobrir se algum trabalho contra mim foi feito.
Meu amigo pediu que eu o encontrasse na
estação Santana do Metrô. Lá fui eu, quando, de repente, para minha surpresa,
me aparece ele e uma mulher ambos de batas brancas e um chapéu característico.
Porra, meu amigo nunca disse que ele era pai de santo! E o choque? Todo mundo
olhando! Eles me levaram até o carro e ao entrar na parte traseira eu quase
morri. Havia gaiolas com galinhas pretas, pombas e outros bichos. Todos vivos.
Nem te conto para que eram essas aves... Eles ainda pararam em um supermercado
para comprar algumas bebidas, frutas e outras coisas. Vejam que agradável,
domingo de manhã, eu no Pão de Açúcar com um pai e uma mãe de santo, vestidos a
caráter, fazendo compras para a oferenda do dia. E para ajudar um monte de aves
nos esperando no estacionamento. Se não morri de vergonha esse dia é porque
realmente não é possível morrer desse jeito.
Ao chegar ao terreiro mais um choque. O
terreiro era na verdade uma pequena mansão no bairro da Cantareira, região
nobre da ZN. Cheguei ao lugar e lá morava uma família, eles me mostraram de
fato o terreiro, que era o quintal da casa. Um monte de estátuas horripilantes
de madeira, velas coloridas, chão de terra. Agora sim uma expectativa minha
sendo concretizada. Na casa vivia o pai de santo mor, fomos apresentados e não
rolou uma empatia recíproca. Ele me levou até o consultório que ele lia búzios
e me pediu dinheiro para o santo. Eu não sabia que tinha que pagar, não estava
com dinheiro, apenas cartão. Pedi emprestado para meu amigo e o pai de santo
disse que o dinheiro precisava ser meu. Peguei tudo que tinha na carteira,
pouco mais de cinquenta centavos e perguntei se rolava aquele troquinho.
Rolou!!! Ele e o santo dele aceitaram. Minha primeira pergunta: “Eu fui
macumbado?”.
A resposta foi SIM! Magia negra das bem
ruins e poderosas. Quase tive uma síncope. Pior que eu sabia muito bem quem
fez. Como já estava lá e estava paga a consulta (65 centavos, mas pago!), eu
resolvi perguntar sobre a vida. O pai de santo disse que minha mãe morreria em
breve por uma doença fatal e que meu pai deveria largar a segunda família que
ele mantinha em sigilo. Minha mãe está vivíssima e meu pai vive em função da
única família que ele tem. Perdi a confiança no pai de santo. E claro, fiz a
pergunta de sempre “Eu vou ficar rico?”, a resposta também não variou. NÃO! Ele
também me disse que poderia reverter a macumba... Fiquei interessadíssimo!
Cobraria um preço amigo e eu precisava providenciar algumas oferendas. Ele me
passou a lista, era um zoológico inteiro, só faltou colocar um tigre de
bengala. Eu decidi não sacrificar animaizinhos e que um dia a macumba perderia
a força sozinha.
Eu queria ir embora daquele lugar, mas logo
iria começar o ritual deles. Repensei e decidi ver aquilo. O pai de santo mor
proibiu a minha entrada no terreiro, disse que a macumba foi forte demais e que
eu estava muito carregado. Vocês têm noção que fui expulso do terreiro de
macumba? Eu não sabia onde estava, não tinha Google Maps no meu celular, que na
época nem existia iPhone. Eu precisava esperar o ritual acabar e meu amigo me
levar ao metrô. Fiquei na cozinha com mais duas crianças, netos do mor. Eles
também não podiam acompanhar o ritual, mas sabiam o que acontecia lá.
Disseram-me que o meu amigo incorporava sempre um orixá X e que se batia,
gritava e mudava de voz. Era um pouco assustador e que apareciam “coisas” no
terreiro. Óbvio que não acreditei até começar a ouvir urros e berros, batida de
tambor e mais um monte de sons assustadores. Eu queria era chorar, bateu um
desespero, queria sair correndo para a rua e as duas crianças nem aí. Não me
importei com a calma delas e decidi segurar nas mãos delas e dizer que tudo
acabaria bem. Foram os 15 minutos mais longos da minha vida. Logo todos
voltaram, meu amigo todo imundo e com mão suja de sangue, provavelmente da
galinha preta ou da pomba. Fui levado para o metrô? NÃO! Fui convidado para
almoçar com eles, rapidamente fizeram uma macarronada e comemos todos... Eu inclusive repeti o prato e olha que o molho era à bolonhesa!
Depois dessa experiência eu coloquei o pé
no freio nessas descobertas religiosas. Já me chamaram para rituais xamânicos e
Santo Daime. Eu nunca fui, uma por medo e outra porque se no terreiro de
macumba rolou tudo aquilo, imagina em um ritual de doutrina espiritualista
amazônica? Além disso, até onde sei esse povo toma uns chás alucinógenos, tenho
medo de tomar chá de lírio e nunca mais voltar. Para não dizer que não faço
nada, de vez em quando tenho vontade de comer hóstia e vou à missa só pra isso.
A última vez o padre falou tanta merda no sermão, contou umas barbaridades que
qualquer pessoa que estudou história minimamente choraria de tristeza. Minha
mãe me impediu de levantar a mão e questionar o padre no meio da missa.
Uma única certeza meu tour espiritual me
forneceu. A certeza que não serei rico um dia. Pelo menos assim eu economizo 2
reais no joguinho da Mega Sena quando acumulada.